Olá mergulhadores!

 

Aqui é Tanque, Course Director SDI e responsável pela operadora de mergulho Private Diver de Arraial do Cabo! O meu assunto de hoje é bem objetivo: A submissão à pressão do mergulho de baixo custo e o impacto na evolução dos profissionais e da ciência no mergulho.

É sabido por todos que o mar é um dos maiores mistérios a serem desbravados pelo ser humano já que para tal façanha são necessários esforços em conjunto de muitas pessoas e de especialidades muito diferentes. Um mergulhador com anos de experiência jamais conseguirá descobrir nada de novo nas profundezas, e nem chegará tão fundo assim, se não fosse pela dedicação dia e noite de engenheiros mecânicos, que trazem as evoluções de equipamentos, de engenheiros eletrônicos, que trazem computadores mais sofisticados, formas mais eficientes de obter e armazenar dados e até em esforço conjunto com os engenheiros mecânicos a realização de equipamentos que são maravilhas da tecnologia como CCR Rebreathers, isso também exige o esforço conjunto de engenheiros químicos! Uma pessoa leiga, quando exposta à quantidade de informações que um curso tal como o Open Water SCUBA Diver, pode obter a falsa impressão que o mergulho é uma ciência já bem definida, no entanto uma olhada mais a fundo, principalmente junto aos mergulhadores que já estão no nível ou estudando para chegar nos níveis técnicos e profissionais, vão perceber que as coisas não são bem assim.

Existem limites do consumo de gases, absorção de gases, saturação de tecidos, misturas ideias e tantas outras características em níveis mais avançados do mergulho em que simplesmente ainda não há base científica para se saber com precisão as reações no corpo humano, tanto que, mesmo nos níveis mais iniciais do mergulho, o aventureiro têm de assinar termos de responsabilidade onde ele, por si só, assume o risco possível ao seu corpo. E por que isso ocorre? Na maioria dos casos é porque ninguém possui qualquer base científica para lhe dizer com certeza qual será a real reação do seu corpo durante, ao final e após um mergulho! A ciência simplesmente não está aí ainda! Muitas pesquisas sobre o mergulho ainda precisam ser feitas! E quem vai pagar por isso? A resposta sempre cai nas mãos dos interessados! A própria comunidade do mergulho!

E como a comunidade do mergulho paga por isso? Através do consumo de equipamentos e serviços do mergulho! Tudo se encaixa, ou deveria se encaixar. Mergulhadores ativos, através das redes sociais, conversas com amigos, parentes e colegas de trabalho incentivam novos mergulhadores à entrar para a comunidade, esses novos mergulhadores entrarão através de cursos ministrados pelos instrutores bem treinados seguindo padrões bem definidos pelas certificadoras e materiais muito bem desenhados pelas mesmas, que são constantemente alimentados e evoluídos! 

Os mergulhadores que entram para este mundo necessitarão adquirir novos equipamentos próprios de mergulho, já que em breve perceberá que os equipamentos de aluguel são muito básicos para onde eles desejam chegar, e esses equipamentos começam desde máscaras, nadadeiras e snorkels, chegando rapidamente aos computadores de mergulho, reguladores, coletes e tantos outros equipamentos. Mas esse mergulhador é mantido curioso por uma comunidade bem definida do mergulho, a qual mantém os mergulhadores constantemente informados de novos limites a serem alcançados pelo ser humano, que alimentará a curiosidade e os farão buscar por especialidades de mergulho! O mergulhador quer saber a sensação de entrar em um naufrágio! Quer saber o que há dentro de uma caverna! Qual a sensação de uma narcose a 60 metros de profundidade? O quanto o uso do gás hélio age na recuperação do seu senso de alerta na mesma profundidade? O quanto este mesmo novo gás me permite chegar ainda mais fundo? O que há mais embaixo? Eu tenho uma câmera boa o suficiente para registrar isso? Meu computador vai mesmo me ajudar nesta situação? Até que ponto um Rebreather não parece algo caro e confuso, mas sim um investimento essencial no meu bem estar enquanto tento chegar onde poucos ou ninguém esteve?

Enquanto essa comunidade se esforça para chegar onde ninguém jamais esteve, as certificadoras sofrem a intensa pressão por materiais mais precisos, mais úteis, mais didáticos, os instrutores também sentem a pressão de ir além, de evoluir, de fazer conexões com grandes mentores que os ajudarão a evoluir junto com seus alunos! No centro desse ciclo virtuoso as empresas que se dedicam na produção de equipamentos de mergulho se sentem pressionadas a produzir equipamentos mais eficientes, mais confiáveis, mais precisos, com mais resistência a falhas, mais tecnológicos, baixando o custo de equipamentos de entrada já que a procura aumenta na razão de tempo, financiando com maior firmeza, já que a indústria se sente confortável em investir em maiores tecnologias de produtos, pois sabe que o mercado absorverá seu investimento, levando a empresas estáveis, profissionais bem remunerados e clientes satisfeitos pois vivem vidas incríveis e recompensadoras!

 

Uhm, mas essa é a realidade da indústria atual do mergulho?

 

Em resorts e dive centers o que se vê hoje não é bem isso! A indústria cedeu a pressões do imediatismo, do extremo baixo custo, da preguiça em evoluir e dos altos custos que a baixa procura por maiores níveis de evolução gerou. O argumento mais comum na indústria é: Ah, mas o cliente não quer mais mergulhar por vários dias, ou ele não quer estudar! Meu contra argumento a isso é a famosa frase de Steve Jobs, que chacoalhou a indústria tecnológica em 1997, quando voltou à presidência da Apple e todos sabem no que deu! A frase foi:

 

"Algumas pessoas dizem: 'Dê aos clientes o que eles querem.' Mas essa não é a minha abordagem. Nosso trabalho é descobrir o que eles vão querer antes mesmo de saberem. Acho que Henry Ford disse uma vez: 'Se eu tivesse perguntado aos clientes o que eles queriam, eles teriam dito: 'Um cavalo mais rápido!'' As pessoas não sabem o que querem até que você mostre a elas. Por isso, nunca confio em pesquisas de mercado. Nossa tarefa é ler coisas que ainda não estão no papel." - Steve Jobs

 

Acredito fortemente que a indústria do mergulho precisa entender melhor o que Steve Jobs quis dizer aí. É óbvio que ninguém sai de férias para ter lição de casa! Ainda mais quando eles não sabem o valor do que estão fazendo! Ao invés de estarmos formando líderes que encantam, que inspiram, que fazem com que as pessoas tenham em si despertado o instinto de ir mais longe, mais fundo, de descobrir coisas novas, que é o que fez o ser humano conhecer todos os pontos da terra, ir até a Lua e estar em plena atividade de colonização de Marte, estamos formando profissionais medíocres, que não inspiram, que nem sabem o quão longe alguém pode chegar no mergulho, que só querem levar o seu valor de diária no final do dia, sem se importar com a experiência do cliente, só querem ir pra casa para fazer nada. A esses profissionais foi dada a tremenda oportunidade de estarem em constante contato com o mergulho, mas é muito raro ver qualquer um deles estudando, evoluindo, não são capazes de manter qualquer conversa levemente mais complexa sobre descompressão. Não tẽm idéia de como funcionam os equipamentos que usam todos os dias, não se importam com manutenção, não têm noção de como orientar um cliente pela melhor escolha de equipamentos para a sua necessidade, isso se muito, não conseguem nem mesmo convencer a cliente a fazer um curso! Entregando-se ao imediatismo da experiência de um dia, de um mergulho, de um briefing banal, de uma atividade corrida. 

Esses profissionais não tem como inspirar ninguém a fazer nada, levando a ofertas baratas de atividades de mergulho, porque eles mesmos, como profissionais sem nenhum conteúdo, também não tem quase nenhum valor. Se eles tiverem a sorte de conquistar um curso, será nada mais que a extensão da experiência do batismo, corrido, sem paixão, sem horizonte, e é claro, isso vai ser barato. Mas esse barato, não vai trazer ao novo mergulhador o encanto pelo profundo, como o novo mergulhador se inspirará pelo instrutor se ele percebe que o instrutor prefere estar em qualquer outro lugar menos ali? Em quem o novo explorador se espelhará? Em alguém que não tem nenhuma experiência de vida no mergulho para passar a não ser o seu dia a dia mecânico?

E as operadoras de mergulho? Tem feito diferente? Obviamente que não, ofertas absurdas de experiência de mergulho que não pagam nem mesmo seus custos mais básicos, valores que impedem a evolução do centro, do apoio aos profissionais, que quase que proíbem o investimento em novos equipamentos que não conseguem reagir aos danos que os equipamentos dados a pessoas sem treinamento, sem experiência, sem respeito ao equipamento utilizado causam, levando eles mesmos a oferecerem somente cursos medíocres. Um exemplo fácil, o Nitrox, a indústria do Nitrox em alguns pontos está morrendo. Menos e menos operadoras oferecem o serviço, quando oferecem são sem o mínimo de segurança contra explosões, absolutamente precário.

Toda essa situação leva a novos mergulhadores, que, quando entram para o mundo de mergulhadores certificados, não compram equipamentos, não se especializam, nem mesmo mergulham com alguma frequência, migrando para outros hobbies rapidamente, que realmente lhes dão um sendo de descobrimento e exploração! Como pode isso? Não há nada mais incrível que mergulhar na face da terra! Nada te aproxima mais de conhecer vida em outros planetas! Como é possível que os mergulhadores fiquem entediados? Ora, com uma indústria que nem ela mesmo se respeita ou se desafia, não tem como isso não ser uma realidade!

Mergulhadores que não se especializam impedem a evolução das certificadoras, que foram em cursos mais simples, mais rasos, com menor conteúdo, mais banal, que não despertam a curiosidade! Focando em coisas banais como receber uma medalhinha virtual por número de mergulhos, caçando por satisfações imediatas como uma verificação de mergulho no seu logbook que mais parece uma gincana patética ao real objetivo de um logbook que é o seu estudo pessoal e o controle da sua avaliação, da sua auto crítica do planejamento dos seus objetivos, perdendo por completo a curiosidade pelo que há além e se perdendo numa caça acéfala a medalhinhas e troféus de participação nos aplicativos por aí. Você acha que os maiores desbravadores do fundo do mar tem os pontinhos de mergulho registrados num aplicativo de certificadora e precisam de um dive center para validar o seu mergulho? Você acha que esse é o caminho para a evolução da atividade? Eu acho que não.

Esses mergulhadores agora mal formados e incentivados a buscas fúteis por aprovação agora se vêem, quando buscam equipamentos, não numa situação de encontrar o que será essencial para a sua exploração, mas o que vai ficar legal na foto, levando o que uma vez foram empresas com grandes inovações tecnológicas a produzirem mais do mesmo, sem reais evoluções de engenharia, mas trazendo somente melhorias estéticas, soluções para problemas que não existem, ou encontrando formas de prender o cliente na marca, não pela qualidade ímpar dos seus equipamentos, mas simplesmente por ter caído na cilada de comprar um produto que não é compatível com mais nada na indústria, como mangueiras incompatíveis com outras marcas, luzinhas sem sentido no equipamento que só vão levar a manutenções caras e complexas ou até mesmo a impossibilidade de manutenção, levando mergulhadores a ter de fazer maluquices que ninguém quer eu precisa como deixar o seu regulador ou inclusive seu colete carregando a bateria para mergulhar no outro dia (!).

Essa tendência leva os fabricantes a se preocuparem com essas coisas banais, tornando a evolução de equipamentos que realmente vão os mergulhadores mais longe, mais fundo, como rebreathers mais avançados, computadores mais sofisticados, roupas secas mais eficientes, compressores mais potentes, misturas de gases mais seguras, cada vez mais para o fundo da fila, tendo cada vez menos mercado e tornando esses produtos cada vez mais caros!

 

E para onde devemos ir então?

 

Obviamente cada um terá a sua opinião de onde é necessário ir, como se diz popularmente, padrão é tão bom que cada um quer ter o seu! Mas eu acredito que a comunidade do mergulho precisa entender que a busca pela satisfação imediata, a medalha de participação, o incentivo ao mergulho sem treinamento, a falta de incentivo da evolução dos mergulhadores, a falta de incentivo ao mergulhador adquirir seus próprios equipamentos, e a má escolha de profissionais sem paixão pelo que fazem estão ferindo de morte a atividade. Eu, por mim, ainda sou um sonhador do mergulho, eu acredito que é possível reverter esse papel! É ainda possível despertar a paixão das pessoas pelo inexplorado! Ainda acredito que é possível formar profissionais que inspirem, que sejam modelos de evolução, grandes exploradores!

Para isso é necessário que cada um de nós que fazemos parte da comunidade de mergulho se pergunte o que está fazendo pela evolução do mercado que tanto gosta! Será que você busca pelo melhor treinamento? Será que busca se inspirar pelos melhores profissionais do mercado? Você vai a eventos tentando descobrir o que está sendo feito e como você pode ajudar? Ou você só opta pelo mais barato? Pelo mais rápido? Você tem algum plano de onde quer ir no mergulho? O que você quer ver? Qual pesquisa você quer fazer? Você sabe onde descobrir pesquisas que talvez você possa até patrocinar?

 

O oceano é imenso, a missão de explorá-lo é colossal, existe muito o que temos de descobrir! Muitas espécies a documentar! Não ache que tudo já está definido, pronto, estamos ainda apenas engatinhando! Será que é você o próximo grande inovador do mergulho? Terá seu nome na descoberta de uma nova espécie? Um novo naufrágio? É você quem documentará um novo ponto de mergulho? Uma nova caverna? Descobrirá uma nova mistura de gases? Uma técnica inovadora de dessaturação de nitrogênio? Uma coisa eu te dou certeza, mergulhando uma vez por ano, sem certificação e com alguém segurando o seu cilindro, esse cara nunca será você!